sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Chuva

Vim correndo para este meio-fio procurar abrigo da tempestade de realidade que de repente caiu sobre mim. A tempestade me pegou quando eu já estava conformado a coloração cinza  das nuvens. Tão rotineiras, tão familiares, que achava que não havia mais o que desabar sobre mim. Pois bem, como consequência inevitável, aqui estou eu, nu, cru, com os cabelos molhados, pisando no chão frio enquanto o vento da tempestade bate forte contra meu corpo. Sinto um certo alívio. Não sei se é por não estar diretamente na chuva, ou é pela liberdade na qual me encontro, mesmo que em uma situação caótica. Na verdade, me sinto feliz por me livrar da minha roupa. Lembro que o problema de andar com os pés dentro do sapato é que eles nunca tocam o chão, e esse mediador simbólico que é o sapato é o culpado por me fazer esquecer de que estar na chuva também é bom, e que se preocupar com o sapato, e a roupa que vai molhar é as vezes deixar de sentir a vida na pele por uma preocupação banal. Só quando a aguá bate diretamente na pele, e quando os pés tocam diretamente o chão, ai sim posso dizer que agora estou de verdade com os pés no chão. Engraçado como tempo pareceu nunca ter mudado nesses anos, achava que o meu céu estava sempre monótono, monocromático, mas na verdade eu que sempre evitei onde poderia ter algum risco de chuva, e assim nunca me dava a chance de encontra-la. Agora, depois de ter tomado a chuva eu sinto que não há sonho, nem idealismo. Tudo vira realidade. Tudo passa a ser um só. E eu covarde como sempre, corro para o meio-fio, porque mesmo sentindo, e vivendo a verdade cair sobre a pele, tenho dor quando ela me bate, e tenho frio enquanto ela me escorre.