Vim correndo para este meio-fio procurar abrigo da
tempestade de realidade que de repente caiu sobre mim. A tempestade me pegou
quando eu já estava conformado a coloração cinza das nuvens. Tão rotineiras, tão familiares,
que achava que não havia mais o que desabar sobre mim. Pois bem, como
consequência inevitável, aqui estou eu, nu, cru, com os cabelos molhados,
pisando no chão frio enquanto o vento da tempestade bate forte contra meu
corpo. Sinto um certo alívio. Não sei se é por não estar diretamente na chuva,
ou é pela liberdade na qual me encontro, mesmo que em uma situação caótica. Na
verdade, me sinto feliz por me livrar da minha roupa. Lembro que o problema de
andar com os pés dentro do sapato é que eles nunca tocam o chão, e esse
mediador simbólico que é o sapato é o culpado por me fazer esquecer de que
estar na chuva também é bom, e que se preocupar com o sapato, e a roupa que vai
molhar é as vezes deixar de sentir a vida na pele por uma preocupação banal. Só
quando a aguá bate diretamente na pele, e quando os pés tocam diretamente o
chão, ai sim posso dizer que agora estou de verdade com os pés no chão.
Engraçado como tempo pareceu nunca ter mudado nesses anos, achava que o meu céu
estava sempre monótono, monocromático, mas na verdade eu que sempre evitei onde
poderia ter algum risco de chuva, e assim nunca me dava a chance de encontra-la.
Agora, depois de ter tomado a chuva eu sinto que não há sonho, nem idealismo.
Tudo vira realidade. Tudo passa a ser um só. E eu covarde como sempre, corro
para o meio-fio, porque mesmo sentindo, e vivendo a verdade cair sobre a pele,
tenho dor quando ela me bate, e tenho frio enquanto ela me escorre.